Este texto foi escrito pelo jornalista Rafael Bonfim, que tem um espaço para seu Blog chamado Inclusilhado na página da Gazeta do Povo
Quando o pessoal do Viajão me convidou para escrever um post no blog, fiquei muito empolgado. A maneira como a Amanda, o Marcos e o Tiago encaram o ato de viajar e se permitir viajar é aberta, sedenta pelo desconhecido e cheia de improvisos. Na minha opinião, é desse jeito que uma viagem deve ser.
Eu fui convidado a dar o meu depoimento para o Viajão, não só porque eu gosto de viajar, mas porque quando eu saio para isso, preciso pensar em coisas que pouca gente pensa. Eu sou cadeirante, devido a um parto prematuro, e isso faz com que a minha cabeça de turista funcione de um jeito diferente, mas isso não significa que meus roteiros são frustrados por causa disso.
Eu poderia comentar o quão despreparado o turismo está para a pessoa com deficiência e falar da importância da acessibilidade nos hotéis, no comércio e no transporte, mas não é esse o caminho que eu escolhi para contar a minha história de turista.
O primeiro ponto que quero comentar é o fato do despreparo não ser mérito do Brasil. Eu estive em outros países da América do Sul e verifiquei que os problemas que encarei lá são os mesmos que eu encaro aqui. Isso é um problema de investimento e mobilização, sem dúvidas, mas acredito que antes disso, é um problema cultural e de conceito. Pode apostar que é comum você encontrar profissionais do ramo que vão afirmar que deficiente não viaja. Afinal, é tudo tão despreparado, que nem vale a pena ele sair de casa. Essa ideia chega a quase ser uma verdade, sabia?
O Brasil está acordando para isso lentamente e começa a ter alguns projetos mais avançados rumo a um turismo acessível e para que isso aconteça de maneira completa, é necessário trabalhar soluções no transporte, na hospedagem, no comércio e indústria. Acessibilidade para o turista com deficiência não tem somente a ver com quartos de hotéis adaptados. É uma oportunidade do turismo mobilizar a cidade da qual ele faz parte, para que o município trabalhe em conjunto com o mercado turístico. Isso pode atrair um novo tipo de cliente, gerar negócios e movimentar a economia da cidade.
Mas enquanto isso não acontece, os desafios encontrados em um destino despreparado vão continuar ali, e ao meu ver, dão um gostinho especial à viagem. Pode parecer loucura, mas eu gosto de ter a cara de pau de chegar em um lugar que por vezes nunca recebeu um cadeirante.
Esse primeiro contato é o início de uma transformação daquele conceito, porque o atendente, o taxista, o garçom, ou seja lá quem for, percebe que um cadeirante sai sim e sem ninguém. Além disso, volta e meia eu me surpreendo com a gentileza das pessoas.
Quando comento que viajo sozinho, o pessoal arregala os olhos e me pergunta se eu tenho coragem mesmo. Acho que a impressão seria pior se eu comentasse que eu fico hospedado em albergues, hotéis mais em conta, não planejo meus roteiros e vou com pouquíssimo dinheiro.
Eu já passei a virada do ano em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Visitei também Foz do Iguaçu e Montevidéu e em todos os destinos eu não estava acompanhado por ninguém. E a coisa de você estar sozinho quando viaja é muito relativa. Fatalmente você vai conhecer alguém.
Quando fui ao Rio de Janeiro, liguei para mais de 8 albergues. Nenhum deles tinha elevador, nem quartos grandes e nem banheiros com acessibilidade fácil. Eu já sabia disso, então a falta desses elementos não influenciou minha escolha. Eu escolhi o único lugar que me disse “Nós não temos elevador e o acesso aos quartos é por escada, mas venha que a gente dá um jeito”.
Como comentei antes, descobrir como a cidade, ou as pessoas lidam com a questão da inclusão, ou de apoio ao próximo, é um dos trunfos da brincadeira.
O Uruguai me surpreendeu nesse sentido. Nenhum dos lugares que eu visitei ali estava arquitetonicamente pronto para um cadeirante, só que eu nem precisava pedir ajuda. A população se oferecia a me ajudar a atravessar a rua, subir escadas, abrir portas, guardar a cadeira em taxis e por ai vai. O mais interessante é que os uruguaios que eu conheci não faziam nenhum tipo de discriminação em relação a mim. Nem pelo fato de eu ser deficiente,
ou por eu ser estrangeiro e não falar espanhol.
Acabei descobrindo que o gosto pelo turismo de uma pessoa só é uma coisa de perfil, não de condições do espaço e muito menos de destino. Quem gosta de viajar sozinho não vai se importar se está indo a um lugar com luxo, ou rudimentar. Não quer saber se o país tem como idioma o francês, o inglês, o espanhol, ou mandarim. A coisa mais importante para quem viaja sozinho é voltar com boas histórias pra contar, ter conhecido pessoas com pontos de vista bem diferentes dos seus próprios e ter vencido desafios impossíveis de serem vencidos em casa.
Eu tenho outro hábito de turista, que descobri ser péssimo. Eu não registro minhas viagens. Sempre fico com a cisma de me preocupar mais com a foto que tenho que fazer, do que com o momento que eu estou vivendo. Isso é uma bobagem e a foto faz falta depois. Me redimi recentemente e fiz alguns vídeos em Montevidéu, que compartilho com vocês:
Fonte: Viajão
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